Introdução
Durante a Idade Média, a música era profundamente entrelaçada com a religião. Cada nota, escala e melodia estava a serviço da fé, e a Igreja Católica, como grande guardiã da moral e dos costumes, não hesitou em colocar limites até mesmo nos sons que podiam ser ouvidos. Foi nesse contexto que surgiu a proibição de um conjunto de notas conhecido como “diabolus in musica”, o acorde do diabo.
Esse som misterioso corresponde ao intervalo de trítono, ou seja, uma distância de três tons inteiros entre duas notas. Em termos musicais, pode aparecer como de Fá para Si natural, por exemplo. O trítono produzia um som tenso, dissonante, considerado “antinatural” pelos padrões da época.
Por causar incômodo auditivo e sensação de instabilidade, muitos teóricos medievais o associaram ao mal, ao caos e ao demoníaco. Com o passar do tempo, a Igreja passou a evitá-lo em suas composições litúrgicas, desencorajando seu uso em qualquer contexto musical “sagrado”.
Mas por que exatamente esse som foi associado ao diabo? E por que ele ainda causa arrepios hoje?
Diabolus in Musica: Por Que o Trítono Era Considerado Demoníaco?

O intervalo de trítono ficou conhecido como “diabolus in musica”, expressão em latim que significa literalmente “o diabo na música”. No século XIII, essa dissonância era vista como uma ameaça à harmonia divina, pois fugia dos padrões sonoros considerados “perfeitos” pela teoria musical medieval, baseada nos princípios de ordem, simetria e proporção, elementos profundamente associados à ideia de cosmos e divindade.
O trítono, por sua tensão, quebrava essa ordem. Era difícil de cantar, desafiava a afinação dos coros monásticos e, acima de tudo, soava inquietante aos ouvidos da época. Em uma sociedade marcada pelo medo do inferno e pela autoridade da Igreja, qualquer som que evocasse o “caótico” ou o “desviante” podia ser associado ao mal.
Embora não tenha sido formalmente “banido” em documentos oficiais, seu uso era reprovado por teóricos influentes e praticamente ausente nas composições religiosas. O receio era tão grande que muitos compositores evitavam completamente esse intervalo, substituindo-o por alternativas mais estáveis.
Com o tempo, essa fama criou uma aura mística ao redor do trítono. Ele se tornou um símbolo do proibido, do sombrio, e, séculos depois, encontraria abrigo justamente onde o desconforto sonoro é bem-vindo: no rock, no jazz e nas trilhas sonoras de suspense.
O Retorno do Trítono: Como o Acorde Proibido Ressurgiu no Século XX
Embora o trítono tenha sido evitado por séculos nas composições sacras, ele nunca desapareceu completamente. À medida que a música evoluiu, especialmente nos séculos XIX e XX, os compositores começaram a explorar novas formas de expressão sonora, e o “acorde do diabo” acabou sendo reabilitado como uma ferramenta poderosa.
Com o romantismo musical, a busca por emoções mais intensas e expressivas levou ao uso de dissonâncias mais ousadas. O trítono, antes temido, passou a ser incorporado nas obras de compositores como Beethoven e Wagner, que já vislumbravam os limites da harmonia tradicional e abraçaram a tensão como um meio de criar novas atmosferas sonoras.
No entanto, foi no século XX, com o advento do jazz, do rock e especialmente do metal, que o trítono finalmente encontrou um novo lar. Bandas como Black Sabbath, pioneiras no heavy metal, começaram a usar esse acorde de maneira marcante em suas músicas, utilizando-o para evocar o medo, o mistério e a tensão. O som pesado do trítono, com sua sonoridade distorcida e quase “caótica”, tornou-se uma assinatura do gênero.
Hoje, o trítono não é mais visto como algo a ser evitado, mas sim como uma arma sonora usada para aumentar a dramaticidade e intensidade das músicas. Nas trilhas sonoras de filmes de terror e suspense, por exemplo, ele continua a ser explorado para causar aquele arrepio na espinha que tanto fascina os ouvintes.
O Trítono na Música Contemporânea
Embora o trítono tenha sido inicialmente associado ao proibido e ao demoníaco, sua presença nas músicas contemporâneas transcendeu esse estigma, ganhando um papel crucial na criação de atmosferas emocionais complexas. Hoje, ele é usado em uma variedade de gêneros musicais, desde filmes e trilhas sonoras até músicas de artistas populares, para provocar emoções de tensão, inquietação e até euforia.
No cinema, especialmente em filmes de terror e suspense, o trítono ainda é amplamente utilizado para intensificar momentos de tensão e medo. Compositores de trilhas sonoras como John Williams e Hans Zimmer entenderam o poder desse acorde, usando-o em cenas-chave para provocar um sentimento de ansiedade crescente. Quem não se lembra da trilha sonora de “Tubarão” ou das sequências de ação em “O Cavaleiro das Trevas”, onde a música distorcida e dissonante cria uma sensação de presságio iminente?
Além disso, no mundo da música popular, o trítono também encontrou novos caminhos. Artistas de rock alternativo e até algumas músicas de pop moderno não hesitam em usar a dissonância do trítono para adicionar uma qualidade inusitada e energética ao som. O acorde aparece de forma estratégica para criar momentos de tensão emocional, equilibrados por resoluções melódicas que levam o ouvinte a uma liberação psicológica.
É fascinante como um som que antes era temido por sua dissonância agora é celebrado por sua habilidade de criar uma atmosfera envolvente e até uma conexão emocional poderosa com os ouvintes. Ele continua a ser usado por compositores e músicos para provocar respostas emocionais intensas, seja no medo, seja na ansiedade, seja até na sensação de liberdade.
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Conclusão
O trítono, também conhecido como “diabolus in musica”, continua a ser um dos intervalos mais fascinantes e complexos da história da música. Desde ser banido pela Igreja no século XIII até se tornar uma assinatura no heavy metal e nas trilhas sonoras de filmes de terror, o acorde que antes evocava medo e desordem agora é utilizado para criar emoções intensas e atmosferas envolventes.
Sua jornada de temido a reverenciado mostra como a música evolui, adaptando-se às mudanças culturais e às novas formas de expressão artística. O trítono, com sua capacidade de desafiar a ordem e provocar respostas emocionais, seguirá sendo uma ferramenta vital para compositores que desejam explorar os limites da música e das emoções humanas.
Hoje, o acorde que um dia foi considerado o som do diabo se tornou uma ferramenta essencial para músicas que buscam criar tensão, mistério e até libertação. E, quem sabe, ele continuará a assombrar os ouvidos das próximas gerações, tal como fez com as anteriores.
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